A Substância
O que você faria para ser sua melhor versão?
Coralie Fargeat Estados Unidos, Reino Unido, 2024
Terror
Com grande astúcia e intensidade catártica, Coralie Fargeat vira a cultura da beleza tóxica do avesso em seu longa-metragem mais recente. Com a melhor atuação da carreira de Demi Moore, A Substância entra sem medo no panteão dos filmes da meia-noite e no cânone feminista. - MUBI
Queria muito assistir a este filme porque fala de um tema com o qual eu trabalho como escritora e como Masterlove: o envelhecimento da mulher e a busca pela juventude, mas não tinha maiores informações.
Não consegui assistir no cinema e fiquei feliz quando vi que já estava no streaming. Preparei minha pipoca, refestelei-me no sofá, cobertinha.
Tenho uma palavra para você sobre o filme: Perturbador.
Em tudo. A história, o clima asfixiante e claustrofóbico, a atuação excepcional de Demi Moore, a violência dos personagens, das imagens e das situações.
Goste ou não do gênero e do filme, você não fica ilesa depois de assistir.
Eu, como mulher com mais de 50 anos, pude entender a dor e desespero da personagem principal, descartada por ser considerada velha e a loucura em busca de voltar a ser bonita e jovem.
Mas o filme não é sobre envelhecimento apenas, mas sobre a luta para pertencer, para existir, se a mulher não é mais o padrão de beleza e juventude com o qual nos julgam.
As mulheres, após os 40 anos, entram em uma zona perigosa que é a Zona Invisível.
Elas temem se tornar invisíveis como mulheres e como objeto de desejo.
Não se exige do homem que seja jovem e belo a vida inteira. Mas se exige isso das mulheres. O que é cruel e impossível.
As mulheres, então, passam a buscar procedimentos estéticos – e hoje temos ofertas infinitas -, dietas mirabolantes, tratamentos, cremes, exercícios, em uma busca frustrante de permanecer jovem.
Por que frustrante? Porque ainda não se descobriu um método eficaz para parar o tempo, e o tempo passando, nosso corpo vai mudando, as células envelhecem, e a juventude se esvai.
E é aqui que entra a frase provocativa de marketing da “substância”: o que você está disposta a fazer para ser sua melhor versão?
No filme, as consequências foram catastróficas para a protagonista. E, quantas vezes, na vida real, isso também acontece?
Muitas amigas minhas se endividaram para pagar procedimentos, tratamentos e cirurgias estéticas. Mulheres – e homens também – arruinando suas feições em harmonizações desnecessárias e desastrosas.
O pior de tudo isso é que esses caminhos tortuosos são trilhados em uma ânsia de continuar sendo aceita, continuar pertencendo ao lugar que ocupa, por medo de ser descartada, de se tornar invisível.
E o filme é primoroso em trazer essa sensação de medo, de angústia, de desespero. E de vazio.
Este é um caminho comum, de inúmeras mulheres, que romperam os 40 anos.
Mas não precisa ser assim.
Esse limite dos 40 anos está cientificamente equivocado.
Realmente, a partir dos 40 anos, existe um marco importante que é a menopausa. Esta etapa encerra o ciclo reprodutivo da mulher. Ou seja, não há possibilidade de gerar um filho. E é isso. Não se pode confundir a capacidade de reprodução com a capacidade de produção. A mulher continua um ser ativo, produtivo e capaz. Física e mentalmente.
Essa ideia de finitude está associada ao papel feminino até algumas poucas décadas, quando a mulher tinha a única função de se casar, formar uma família, ter filhos e cuidar da casa e de todos.
Inúmeros fatores, como as guerras que levaram os homens de casa e da cidade por anos, a industrialização que precisou da mão de obra feminina, os meios contraceptivos que permitiram a escolha feminina de reproduzir e quando reproduzir, o caminho dos estudos, da formação e capacitação profissional e a ascensão de mulheres a cargos de comando e políticos mudaram completamente esse cenário.
E, por fim, temos o crescimento da expectativa de vida feminina. No Brasil, segundo o IBGE, em 1960 a mulher viveria 45,5 anos. Em 2023 essa expectativa é de 79,7 anos. Ou seja, aos 40 anos não estamos no fim da nossa existência. Talvez na metade.
Está na hora de incorporarmos os fatos científicos à mentalidade de homens e mulheres e nos adequarmos aos novos tempos e possibilidades.
Não, Bem, isso não significa que não envelheceremos a partir dos 40. Aliás, o processo de envelhecimento começa muito antes disso. Mas significa que podemos escolher como vamos envelhecer.
Podemos optar por este caminho tortuoso de estancar as marcas do tempo e vivermos em uma angustiante busca pela eterna juventude.
Ou podemos escolher vivermos da melhor maneira possível, inclusive fisicamente.
Veja que nada há de errado em utilizar métodos, procedimentos e tratamentos que permitam retardar o envelhecimento, amenizar marcas do tempo. O problema, como em tudo na vida, é o desequilíbrio. O uso exagerado, o vício nesse processo.
E como você sabe que ultrapassou os limites?
Quando este objetivo passa a ser a prioridade da sua vida em detrimento do seu tempo, suas finanças, sua família.
Quando sua aparência com procedimentos vai se afastando da sua imagem verdadeira.
Quando há deformações.
Quando é impossível parar.
Quando, depois de tudo, você continua sentindo-se insatisfeita com sua própria imagem e infeliz.
Se isto estiver ocorrendo com você é hora de procurar ajuda. Avaliar se algum transtorno de imagem se instalou, ou alguma depressão ou transtorno psicológico está te impedindo de lidar com o envelhecimento de forma harmoniosa e equilibrada.
E como envelhecer bem?
“Belezas são coisas acesas por dentro”
TrERROR da música “Lágrimas Negras”, de Jorge Mautner
Voltar-se para dentro nesse momento é fundamental. Encontrar-se, descobrir quem você é além da imagem física, qual o seu propósito de vida, seus objetivos e sonhos para os próximos 40 anos? Traçar metas e planos para alcançá-los.
Entender que papel você ocupa no Universo. O que você é capaz de fazer, quais capacidades você tem.
Cuidar da mente, do corpo e do espírito.
Colocar-se na posição de aprender. Estamos em um novo mundo, nada do que vivemos se repetirá. Aprender a viver - e a construir – esse novo mundo nos dará utilidade para vivermos em um mundo novo e melhor, para todos.
Aconselho a todos, homens e mulheres, a verem o filme “A Substância”, para entenderem de forma chocante e contundente, o mal que esta ideia de juventude eterna pode causar.
Mas aconselho também, a verem “O Espelho tem duas faces”, com a espetacular - e fora dos padrões – Barbra Streisand, que fala sobre o mesmo tema, mas com delicadeza, ternura e romance.
Fácil? Não, Bem, não é. Mas é possível. E as Masterlovers estão aqui para ajudá-la a atravessar esse caminho.
Eliane Bodart